domingo, 8 de maio de 2016

A DECREPITUDE E A FINITUDE ESTÃO SEMPRE À ESPREITA

          Quando da minha primeira década vivencial tive uma musa que recém adentrara a maioridade legal. Não era linda, contudo, era um espécime digno das maiores atenções gerais.


          Com alguma frequência solicitava-me o obséquio de acariciar-lhes os apoios terrestres, agradava-lhe os mínimos, passava pelos demais; às vezes pedia-me que me deslocasse um pouco rumo ao cume, o que era deveras deleitante, os hormônios esguichavam pelos poros e outros orifícios.


          Encontrava-me deitado na cama defronte ao seu quarto, o qual possuía uma cortina de tecido leve, a circulação geral do ar residencial favorecia os meus instintos, aquele ser encontrava-se ao natural diante de um objeto refletor, que me obsequiava com dupla imagem frontal e simultânea e uma visão direta do reverso, aquilo era desumanamente devaneante.


       Era a sua lista telefônica ambulante, quando precisa de algum dos seus fornecedores acudia-se a mim, vez ou outra convidava a ir até alguma das lojas, ia na garupa da sua pedalante, pedi que me segurasse à cintura guitarrina, quando não, que introduzisse ambas as mãos nos bolsos de seu jeans, o que também era deveras inspirador a um aprendiz ou mesmo profissional poeta.


Show de Jerry Adriani, Teatro Guaíra,
 Curitiba - PR,  dia 08/05/2016.
          Certo dia, quando assistíamos às imagens do quadrado transistorizado, Jerry Adriani cantava. Ela fez-lhe dilaceradas observações, disse-lhe que alguém daquele estirpe não se interessaria por alguém de outro meio social, disse-me que ao menos para… certamente. A traição introduziu o cabo da adaga nos meus músculos dorsais.


          Após inúmeros outros decênios assisto a um de seus shows, o qual insere-me numa jornada àqueles dias, revejo tudo o que me despertou no que concerne ao âmbito de Eros.


          Hoje, a ex-musa deve estar em torno de suas sete décadas, aquelas suas curvas devem estar preenchidas de adiposidades, a face vincada, o pescoço com excessivas dobras, as cãs não entintadas ou no esconderijo dessas. Os membros inferiores, meus antigos amigos íntimos, devem compor algum mapa, de um país longínquo, com rios caudalosos, que não os reconheceria.

          As mais antigas e intrigantes questões humanas continuam irrespondíveis, contudo, ressalto estas: por que viemos? por que envelhecemos? por que morremos?


         Parece-me masoquismo, visto que tendemos a apreciar, amar, quando sentimos reciprocidade, toda via, a decrepitude e a finitude não se afastam de nós, mesmo que saibam que as odiamos.                               08/05/2016





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